terça-feira, 29 de maio de 2007

Castro Alves

"ONDE VAIS, estrangeiro!
Por que deixas o solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor o píncaro dos montes,
Quando podes achar o amor tão perto? ...
"Pálido moço!
Um dia tu chegaste de outros climas,
de terras bem distantes...
Era noite! ...
A tormenta além rugia...
Nos abetos da serra
a ventania
Tinha gemidos longos, delirantes.
"Uma buzina restrugiu no vale
Junto aos barrancos onde geme o rio...
De teu cavalo o galopar soava,
E teu cão ululando replicava
Aos surdos roncos do trovão bravio.

Castro Alves
Curralinho, 29 de abril de 1870.

sábado, 12 de maio de 2007

Dois textos do Poeta, Boêmio, Roteirista e amigo Walter Ramos de Arruda

ESCRIBAS DE MUNDOS

Walter Ramos de Arruda



“A literatura é um dos caminhos mais tristes que levam a tudo”. (André Breton)


Que escrever seja um dos maiores feitos da humanidade, senão o maior, não resta dúvida. A tradição judaico-cristã, para citar uma grande tradição, diz que o próprio 'Deus' escreveu os mandamentos e legou todo um patrimônio aos homens. Registro de um feito divino, portanto.

Talvez por isto, mal comparando, haja academias de letras ao longo do planeta. Onde escritores reúnem-se em colóquios e chamam-se "imortais". Afinal, os homens inventam romances, registram e cometem poesia, contam em versões diversas como seriam os tantos dramas vividos a ponto de parecerem pequenos deuses; É claro que deuses minúsculos...

Mergulham em outros mundos e reinventam e redigem, em linhas simples, o que no mundo real existe e ocorre. Simulam, em várias mãos, o que ‘Deus’ diariamente escreve naquele seu estilo único de talento inconfundível, o: “em linhas tortas”.
Cada vez mais, diga-se de passagem, com a intervenção das mãos dos homens, que sorrateiramente aos quatro cantos se apresentam enquanto supostos co-autores sobre este ou aquele feito na condução da narrativa humana.

Vejam as descobertas genéticas que impulsionam certas mentes na direção da clonagem de homens e mulheres, e o surgimento de novos personagens reeditando ditaduras, impondo a implantação de sociedades planejadas ao longo do planeta. Que tarde ao máximo o final destes episódios!

Penso neste fim de dia, após uma noite pesada, num olhar em desacordo com os feitos dos homens - ameaça de bombas em aviões de civis, guerras sem trégua -, em escrever algo com desfecho ameno. Tipo: ‘como seria se assim não fosse’ e recordo o término de uma história antiga, à moda das aventuras erradias de um cavaleiro andante, como se resignadamente o herói lamentando desaventos mirasse o futuro e dissesse a si mesmo:
- Deixa estar. Há literatura. À literatura.



A Pose das Cinzas

No jubileu dos tempos, notívagos gritos transbordam a Cidade das Pedras Cantantes. Vozes rachadas, loquazes, emolduram semblantes inermes. Do nada a dizer, o medo, como fosse prisão. Na verbo-sangria o parapeito que oculta o cativeiro; dissimula do espírito a liberdade entre homens que debatem-se como vermes nos salões de açúcar decadentes, e espaços comezinhos massapés. Frações mínimas de idéias fumam rarefeitas à estratosfera no meio da algaravia. Enquanto platéias imberbes aplaudem; sem saber ao menos o quê.

Walter Ramos de Arruda (1976), nasceu em Recife, é graduado em Letras. Faz mestrado em antropologia. Vive escrevendo.


http://ramosdearruda.blogspot.com/

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Duas poesias do amigo e Poeta Aldo Lins.

O Poeta Paraibano natural de Cajazeiras e amigo Aldo Lins, que com tanta garra defende a vida com a poesia que exprime e expalha pelos ambientes e entornos do centro da cidade Recifense, e que, ao longo de tantas aventuras e desventuras publicou seu livro "Alma de Vidro", de onde extraio duas poesias para o apreço dos demais visitantes.






ESTIGMA

Acordei chorando
Jorrava de dentro de mim
Toda uma denuncia de tudo aquilo que sou.

Vagabundo, maluco, moribundo,
anarquista, amante, poeta e sonhador.

Não me conheço,
Alias, só por fotografia.
Não sou lavoura nem edifício.
Sou um homem que passou fome
Escarrou sangue
E foi preso como anarquista.

Também não sei mais sorrir
A minha pele hoje
É uma tatuagem cheia de escamas

Ate o meu canário fugiu da garganta
Deixando minha alma de vidro
Perdida pelos escombros
Útero da solidão.

Meus trinta anos
O que direi a eles
Quando reinar o eclipse da despedida
Haverei de doar meus olhos
Para alguém poder te ver.

Pois quem sabe um dia
Eu, hospede da utopia
Assustado com a sombra
Dos meus próprios sonhos
Seja encontrado sem vida
Sentado num cabaré vazio.




SOLUÇOS DO DERRADEIRO CANTO

Sonhei voando entre catedrais e cemitérios
Pó cinza e a alma pomba azul no céu
Velas acessas sobre o mármore negro
Sentinelas agora sem forma e sem cor.

Rastejam vermes fiéis companheiros
Famintos e sequiosos de uma carne fria
Na parede uma moldura desbotada.
Onde já se vê gasta a juventude.

Um terno escuro para a solenidade
A posse nos termos do obituário.
E na gaveta murmura o triste diário.

A luz então se fragmenta no espaço
E o tempo que assitia a tudo agitado
Agora dorme silenciosamente sem asas.

Meditação.

"Quem já bebeu, beberá. Quem já sonhou, sonhará.
Nunca desistirá desses abismos atraentes, que soam insondáveis,
que penetram no proibido, que se esforçam por segurar o impalpável
e ver o invisível. Volta-se para eles,debruça-se sobre eles,
dá-se um passo na direção deles, depois dois;
e é então que se penetra no impenetrável, e é entao que se
encontra o alívio imediato da meditação infinita".

Vitor Hugo.

Sou um estrangeiro.

Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.
Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.